Outubro a Dezembro de 2021

Que as verdade seja pura como as palavras de um moribundo

04 DE OUTUBRO

São 03:54 da madrugada de domingo para segunda e daqui a umas três horas vou partir, com meu irmão Danilo e a sua esposa Larissa, para uma maratona de deveres familiares que começa na zona rural de Paracatu, onde meu pai hoje mora, e termina em Brasília, para visitar o restante da família que não vejo há mais de vinte anos. Tudo isso depois de um fim de semana super corrido, um verdadeiro pesadelo logístico que envolveu as cidades de Maceió, Recife, Rio de Janeiro, Brasília e Uberlândia.
Estou cansado, estressado e, agora, um pouco preocupado com dinheiro, já que tivemos, eu e Laís, uns gastos do nada. Por exemplo, tivemos que pagar quase mil e quinhentos reais de uma só vez em impostos em dois celulares importados da China pelo Aliexpress.

16 DE OUTUBRO

Sei que uma pessoa sem laços familiares é um átomo perdido batendo cabeça no mundo. Família é a coisa mais forte que existe e destino do qual não podemos escapar, sei disso também. Mas não adianta, não consigo forçar a barra, não sou uma pessoa “de família”, pelo menos em comparação com os Marras. E isso ficou claro depois de relembrar como a família do lado de meu pai é unida e festeira. É nesse clima de celebração sem fim (regada a churrasco e geladeiras de Heinekens) que eles vão passando por cima dos problemas, silenciando as fofocas e ajudando na prosperidade uns dos outros, juntos, sempre juntos!

24 DE OUTUBRO

Aposto que em menos de um ano o Ciro Gomes vai abrir mão da própria candidatura para virar ministro da Infraestrutura do novo governo Lula.

25 DE OUTUBRO

Na semana em que estive em Belo Horizonte, me permiti brincar de fumar novamente. Comprei um maço de cigarros de palha numa banca da Savassi e fumei: um paiol no primeiro dia, dois no segundo, três no terceiro, e por aí vai. Não cheguei a terminar o maço, abandonei de propósito na mesa de centro da casa do Jonathan Tadeu. Mas tenho certeza que essa fissura e a ansiedade que hoje me impedem de dormir é um efeito colateral da abstinência do paiol. Não apenas isso, acho que não estou conseguindo dormir porque estou estranhando a umidade e o bafo de Maceió depois de passar quase um mês na friagem de Minas. Ou talvez seja tudo por causa dos gatos, que estão mais carentes que nunca.

26 DE OUTUBRO

Não é que o seu Vanderley acabou voltando para a casa dele em Uberlândia? Encheu tanto o saco da tia Lúcia, depois de ela tão benevolentemente tê-lo recebido na roça, que conseguiu o que queria. Agora só Deus sabe como ele vai passar o dia-a-dia.
Mas pudera! Meu pai sempre foi o diabo, nunca gostou de cárcere e de responsabilidades domésticas, gostava é da liberdade de ir na casa dos amigos na hora que bem entendesse. Não ia ser agora que ele ia se conformar em terminar os seus dias na roça, não é mesmo? De qualquer forma, agora ele tá na “mão do palhaço": tem apenas a companhia da diarista que separa os remédios, prepara o almoço e a janta, e limpa a casa; além do vizinho, o Jorge, um carioca e flamenguista gente fina, que do alto dos seus 72 anos (quatro a mais que o meu pai) faz o favor para todos nós de visitá-lo todos os dias.

03 DE NOVEMBRO

Depois de alguns dias de buscas por vagas de emprego em Design Instrucional, percebi que se tem uma área que aparentemente tem emprego pra todo mundo é a de Design UX, o que me faz pensar: será que eu não devia arrastar minha asinha para esse lado também?

04 DE NOVEMBRO

Eu falo mal, mas no fundo sou muito grato pelo meu curso de Letras na UPE. Se fosse um curso sério, eu seria obrigado a ler esses negócios de Linguística e Análise do Discurso com um pouquinho mais de atenção. Por outro lado, o esforço que uma pessoa precisa empreender para não deixar ser infectado pelos currículos dos cursos de Letras não é menor do que o esforço que alguém sem formação universitária precisaria para se auto educar.

05 DE NOVEMBRO

Final de tarde de sexta, quase noite, enquanto estávamos Laís e eu nos preparando para sair, veio a notícia inesperada, mas que já não choca tanto a mais ninguém aqui no Brasil: um avião de pequeno porte que transportava a cantora Marília Mendonça caiu numa mata próxima à cidade de Caratinga, lá em Minas, matando até então dois passageiros, de acordo com a notícia do G1. Segundo a mesma notícia a artista havia sido resgatada com vida. Alívio para todos nós. Dez minutos depois, a página do G1 foi atualizada: a parte sobre o resgate de Marília Mendonça sumiu. Ficamos apreensivos de novo. Minutos depois, a confirmação: ninguém havia sobrevivido ao acidente e um dos corpos era, de fato, da cantora goiana de vinte e seis anos.
Acidentes como esse deveriam ser a exceção e não um hábito da aviação privativa. Parece que a cada dois meses alguém tem que morrer de forma trágica por causa da imperícia de alguém. Assim foi com o Teori Zavascki, Eduardo Campos, Gabriel Duarte, Ricardo Boechat e com o time inteiro da Chapecoense e agora, com a Marília Mendonça. Dessa vez, ao que tudo indica o acidente foi provocado por uns postes inseridos de forma irregular pela CEMIG. É triste, mas, a exemplo da aviação comercial, que parece ter aprendido alguma coisa com duas décadas de desastres, os pilotos de pequeno porte, mecânicos, e todos os profissionais indiretamente ligados ao Táxi aéreo brasileiro deverão aprender a tomarem conta de seus passageiros e de seus veículos com um pouco mais de respeito. Temos que tomar vergonha na cara e aprender a fazer as coisas direito.
Não estou aqui para discutir os planos de Deus com os homens, nem me rebelar contra o fim da vida que é o fim de todos nós, mas a impressão que fica é que a dona morte ceifa primeiro a vida dos grandes, os populares, aqueles que pela quantidade de compromissos e pela abrangência do seu público precisam estar sempre voando, sempre se sacrificando pelo público.

09 DE NOVEMBRO

E eu que nem sabia que tinha royalties para recolher da Lupe no site da Onerpm! Se não fosse o Renan Benini pra me avisar, teria deixado 161 dólares, quase 900 reais, boiando na net. Desde maio, as audições da Lupe já me renderam uns mil reais, o que, sem dúvida, não é um dinheiro pra se jogar fora.

16 DE NOVEMBRO

Gatos não são filhos, mas é como se fossem. Se você descuidar, eles vão lá e fazem merda e se você não agir na hora certa eles podem até morrer. O que aconteceu por esses dias foi que o nosso frajolinha, o Farofa, começou a ficar meio cabisbaixo e com carinha de doente no sábado de madrugada. No começo, achei que era algum tipo de stress nervoso por causa da bagunça exagerada que uns amigos tinham feito aqui no apartamento, mas no domingo ficou claro que ele estava doente mesmo ou tinha engolido alguma coisa estranha, talvez plástico, sei lá. A segunda-feira foi feriado de Proclamação da República, então todas as clínicas de Pets estavam fechadas. É claro que eu poderia ter levado ele para uma dessas clínicas 24 horas, mas elas são caríssimas e não achei que o problema do Farofa era tão grave que não pudesse esperar por mais um dia. Sim, eu sei, eu sou um filho da puta.
Na manhã da terça, estava eu na sala de espera da Pet’s House, aqui na Jatiúca, lendo o meu “Primo Basílio”, esperando por um diagnóstico para o sofrimento do meu pet, quando Laís despontou pelo corredor do consultório até a sala de espera e disse: “Você não imagina o que era. O Farofa tinha uma agulha presa na garganta!” Na hora, tudo fez sentido. Farofa estava paralisado de dor e eu não tive a hombridade de pôr um fim à tempo. Felizmente, deu tudo certo, o veterinário aplicou nele uma dose de anestesia e conseguiu tirar com certa facilidade a agulha. Farofa está neste momento grogue, deitado como um enfermo na minha cama. Em compensação por quase três dias de tortura, o paciente está sendo alimentado com os melhores sachês de comida de gatos que existem no mercado.

17 DE NOVEMBRO

De repente, me chega um novo e-mail da ATIVOS S.A. avisando que eu tenho uma outra dívida com o Banco Bradesco. Mais uma, a terceira depois de ter quitado uma em 2019 e outra agora em 2021. Estou começando a achar que estou sendo feito de bobo porque, sempre que estou prestes a terminar de quitar uma, me surge outra do nada. É impossível que eu tenha contraído tantas dívidas e empréstimos com um só banco. Já vou dizendo. Não vou me estressar com isso. Esse negócio vai ficar mofando aí. Enquanto isso vou tentando dar um jeito na minha carreira e juntar um dinheirinho com criptomoedas. É isso.

23 DE NOVEMBRO

Acho que todo homem heterossexual ou não, que pretende viver com uma mulher (heterossexual ou não) deveria ler o “Feijão e o Sonho” do Origenes Lessa; não que seja um grande romance, mas porque ali está descrito em termos simbólicos o maior problema que esse homem vai enfrentar numa relação com uma mulher até o final dos seus dias, e que é a briga entre o tal do feijão e o tal do sonho.
Não tem jeito, desde a queda fomos cingidos em seres incompletos, mas complementares. Não somos nada sem o outro. Buchecha sem Claudinho, Piu-piu sem frajola. Dois lados de uma moeda.
Ninguém sonha de barriga vazia e o feijão, só germina se porque alguém sonhou com uma frondosa plantação. Fim de história. Os homens gostam de ideias abstratas e, normalmente, conseguem ver com mais clareza o objetivo final de uma ação. Por outro lado, gostamos de fugir das obrigações e fazer corpo mole na hora do vamos ver. As mulheres são mais práticas e fazem de fato o mundo rodar porque aguentam com mais resiliência o rojão do dia-a-dia. Por outro lado, elas se impressionam demais com coisas mesquinhas: status social, a opinião dos vizinhos, a opinião da família, a opinião dos tuiteiros, etc.
Quando pensei que estávamos conversados em matéria de objetivos de trabalho e metas financeiras, vejo Laís com a cara fechada dos que estão loucos por uma briga. Pergunto qual é o problema. Ela diz que eu não estou me esforçando para criar um portfólio, que eu só mando currículos e estou perdendo o meu tempo. Ela diz também que precisamos comprar uma mesa para a sala, uma máquina de lavar nova. Digo para ela, já flertando com a impaciência, que dá pra comprar tudo, mas pra isso a gente tem que fazer um plano, e comprar uma coisa de cada vez. Não dá pra comprar tudo de uma vez. Só que ela não fica satisfeita com a minha resposta, porque a angústia é mais profunda, tem origens misteriosas e que eu, enquanto cônjuge, tenho a obrigação de desvendar. Quando vi que a conversa não ia chegar a lugar nenhum, resgatei da prateleira do lavabo o sabão em pó, a água sanitária e o desinfetante, e fui lavar o banheiro, a melhor decisão que tomei esse ano. Poderia ter continuado a discussão e dizer o quanto ela estava sendo uma pequena burguesa, que não dá pra ter tudo de uma vez, que a vida é feita de escolhas e que ela vai sempre querer mais coisas que ela pode comprar, mesmo que esteja ganhando um milhão por mês. E ainda vai amaldiçoar os céus por não ter dinheiro suficiente para comprar uma Ferrari e uma Lamborghini ao mesmo tempo. Mas, não.

30 DE NOVEMBRO

E lá vamos nós de novo, tentar mais uma rodada de luta contra os vícios. Agora estou tentando minimizar um deles e parar com outro de vez. Isto é, beber café agora só de manhã (até a uma da tarde) e, se Deus quiser, parar com a masturbação, em qualquer horário.

02 DE DEZEMBRO

Semana que vem terei uma entrevista de emprego com a gerente e dois funcionários de uma empresa de softwares de gestão chamada Accruent. O salário é quase o triplo do que eu recebo e o trabalho parece mais desafiador do que o que faço atualmente, por isso resolvi dar “all in”, isto é, parar de escrever o décimo capítulo de Darlene e de ler “Os Maias” do Eça (livro incrível, por sinal!) para me preparar para a tal entrevista.

03 DE DEZEMBRO

Toda vez que meu pai me liga é a mesma coisa, eu não atendo de primeira e ligo de volta horas depois. Em 90% das vezes é ele quem me liga e não o contrário. Houve uma época, em especial durante os anos em que morei em BH, quando nunca telefonava para meu pai. Foi uma época esquisita em que eu desapareci do mapa, como um filho perdido ou morto. Mas isso tudo ficou no passado. Hoje, nossa relação é muito boa, mesmo que eu não consiga fazer muito para amenizar a sua solidão, a não ser responder ao seu telefonema com horas de atraso. Aliás, posso sim ouvir suas reclamações sobre as cólicas intestinais depois do almoço e que lhe doem como se tivesse engolido uma “abóbora de fogo”. Pergunto o que ele comeu: “carne e frango”, ele responde. Meu pai nunca foi de comer vegetais e frutas, só arroz, arroz e mais arroz. Uma dieta muito pobre desde sempre.
Daí passamos por problemas de ordem administrativa. Meu irmão, Vinícius, que é quem gerencia as despesas do seu Vanderley, descobriu que meu pai tinha contas de água e celular atrasadas e que até então estavam supostamente no débito automático. A velhice torna as pessoas lentamente incapazes de manejar as ferramentas da vida prática, que a cada dia se tornam mais complexas. O pior é que muitas pessoas se aproveitam do estado de fragilidade. Por exemplo, ele havia combinado com um senhor do bairro dele para ir até a casa e capinar o mato excedente no quintal. O tal senhor cobrou R$200 pelo serviço. Dias depois, Vinícius descobriria que o tal serviço consistia em apenas tirar com a mão alguns galhos de mamona, um trabalho que qualquer pessoa não levaria mais de cinco minutos para terminar.
Seu Vanderley não tem mais acesso à sua conta bancária e fica irritado com isso. Ele não compreende que às vezes a aposentadoria não cobre tudo que ele quer comprar. É preciso pagar a diarista que, por sinal, cobra um preço super abaixo do mercado (isto, porque ela não pode ter nenhum trabalho formal, já que ela recebe benefícios do governo em função da sua filha que, se não me engano, é autista). É preciso fazer o supermercado também que está muito, muito caro. Por outro lado, eu sei por vivência própria que uma das coisas mais frustrantes e desesperadoras para um ser humano é não ter algum dinheiro em mãos, nem que seja uma nota de cinquenta reais para uma compra qualquer na padaria.
É difícil, mas a vida é feita de escolhas. Em vez de ficar na roça com a minha tia onde ele seria tratado com tudo de bom e do melhor, meu pai escolheu ficar sozinho na casa, como se quisesse estar amarrado a sua única propriedade com medo de perdê-la.
Nem tudo é má notícia, porém. Aos poucos seu Vanderley vai recuperando a habilidade de usar o celular. Hoje em dia ele consegue atender e fazer ligações, mas ainda não consegue enviar áudios nem texto por escrito. É engraçado, às vezes recebemos uma mensagem aleatória dele no grupo da família. Normalmente a mensagem consiste em uma letra só: “a”, “t” ou “u”. Outro dia, ele enviou no mesmo grupo uma foto mal enquadrada do topo da própria cabeça e o teto no fundo. Quem vê, dá risada e, depois, pensa: “coitado do tio Vanderley”...

13 DE DEZEMBRO

Não quero nem saber, pra mim o ano de 2021 acabou hoje, 13 de dezembro às 02:44 da madrugada de domingo pra segunda. Gastei a última barra da minha bateria interna construindo dois projetos para duas seleções de emprego que acabaram acontecendo na mesma semana. A primeira é para uma empresa de São Paulo, uma espécie de cursinho online que atende não só concurseiros, mas também, alunos do ensino médio e pré-vestibulandos (nem se usa mais essa palavra hoje em dia). Minha tarefa para esta seleção foi construir uma vídeo-aula sobre o tema “vírgula”. Por mais que o tempo de execução fosse curto, gostei do resultado final. Acho que esse trabalho seria divertido e tenho certeza que o faria muito bem. Pena que o salário não é tão bom assim. É, por outro lado, o dobro do que recebo hoje, mas não é de carteira assinada, é PJ, então não tem férias nem décimo terceiro, nem nada.
O outro processo seletivo é para uma empresa americana que tem sede aqui no Brasil, dois escritórios na realidade, um em São Paulo, outro em São Leopoldo no Rio Grande do Sul. Nesse caso, o salário é bom, e a oportunidade também. Só tive a impressão que o trabalho é um pouco maçante e repetitivo. Por outro lado, a equipe é basicamente internacional: a gerente é americana e os designers instrucionais são holandeses. Ter contato em outros países é sempre uma coisa boa. Para essa empresa, tive que desenhar um curso rápido com uma simulação de certo procedimento de um software. Para completar a tarefa tive que aprender a mexer em uns dez softwares de uma vez (exagero): Articulate Storyline, Audacity, Camtasia e o escambau. Quase derreti meu cérebro no domingo à noite, mas, mesmo com algumas imperfeições, entreguei o tal projeto. Essa semana, eu quero voltar a ler o meu Eça de novo, e quem sabe, lá pra quarta feira? Voltar a escrever meu livrinho sofrido, que parece que vai vir à luz à fórceps mesmo. ADEUS, 2021!

16 DE DEZEMBRO.

Viver é um risco e ainda não inventaram uma forma segura de viver sem se arriscar emocionalmente, Quer dizer, não é possível sonhar sem o risco de ter seu sonho esvaziado de uma hora pra outra. Não tem como ganhar sem o risco de sofrer. E não adianta mentir, quando buscamos uma coisa queremos ela por completo e tão logo a possibilidade se apresenta à mente, nossa imaginação imediatamente preenche a coisa querida como um líquido no copo.
A verdade é que eu tinha um bom pressentimento sobre a entrevista de emprego para aquela empresa americana que mencionei. Gostei da equipe e eles pareceram ter gostado de mim também. Na semana passada, como parte do processo seletivo, tive de construir um curso usando o Articulate Storyline e editar um vídeo. Entreguei o projeto com o sentimento de ter algo bom em mãos. Na quinta de manhã, tive uma devolutiva, a última parte do processo, dessa vez para demonstrar os passos que tomei na execução dessa tarefa. A entrevista não foi nada boa e saí com a certeza que receberia aquele mesmo e-mail de sempre:

Olá, Cícero. Foi um prazer conhecê-lo ou queria agradecer pelo esforço despendido na execução da tarefa, mas, neste momento, optamos por não dar continuidade com a sua candidatura…

A verdade é que já me via convivendo com aquelas pessoas, já me visualizava tendo uma equipe internacional, me comunicando em inglês full time. Me peguei fazendo planos com os quase seis mil reais que iria ganhar por mês e como eles me ajudariam a pagar minha dívida com a Fundação João Pinheiro. Sem dúvida, esse emprego seria uma mudança de rumos para a minha vida. Mas, ao que parece, essa pequena glória de classe média vai demorar um pouco a acontecer. Nesse ínterim abandonei minhas leituras, abandonei Darlene, cedi ao mundo, sem ter a certeza se realmente valeu a pena.

18 DE DEZEMBRO

Descobri recentemente que nasci com o sol em conjunção com Sirius, a estrela mais brilhante do céu. Sirius fica por sua vez na constelação da canis major, ou algo assim, uma constelação com forma de cachorro. Uma pesquisada rápida no Google e nenhuma resposta concreta sobre o que isso quer dizer, a não ser que a estrela está relacionada à raiva e que as pessoas com esse aspecto sofrem com uma espécie de complexo de lobo solitário.
De novo, assim como no ano passado, estou numa casa alugada com os meus amigos de Maceió (estou me treinando a não chamá-los de “amigos da Laís”) com a certeza de que, pelo bem estar geral da festa, é melhor eu maneirar minha exposição e minhas opiniões sobre qualquer assunto. É impressionante, em algumas situações, basta eu abrir a boca e uma rodinha se desfaz, e basta eu sair de perto para o clima de festa se restaurar. Eu sou o lobo solitário. Não é culpa deles, é minha. Não que eu seja chato. Faço força para não ser desagradável. Sou calado e ouço sempre de bom grado e não por uma auto-imposição o que as pessoas tem pra dizer, e me interesso pelas pessoas interessantes e o que elas fazem. Não sou bolsonarista e não falo de política, nunca. Lavo a louça quando necessário. Tento não dar conselhos pra ninguém, a não ser que elas me peçam. E mesmo assim, todo mundo me vê com desconfiança, com cara de interrogação, como se tudo que saísse da minha boca viesse mal traduzido de outra língua, ou como se ouvissem uma coisa, mas lessem uma mensagem contrária do meu corpo.
Não quero ser reclamão. Gosto de ser colocado em situações sociais como estar em uma casa com amigos, sem as quais eu deixaria de viver momentos incríveis como os que eu vivi hoje na piscina vendo a natureza em slow motion, após ter tomado meia grama de algum cogumelo; mas é que não deixa de ser curioso como nada mudou desde a infância e ao que parece não vai mudar nunca.
Por mais que eu finja, eu sei que ainda não estou no estágio em que eu não seja um problema para mim mesmo. Ou seja, ainda tenho coisas mal resolvidas para provar para mim mesmo e para os outros. Enquanto for assim não posso me propor a dizer nada em público ou querer ser publicado. Qualquer coisa que eu compor ou escrever até lá será motivado pela minha auto-promoção, ou auto-salvação, e não pela caridade como a boa arte deve ser...

31 DE DEZEMBRO

É o último dia do ano e infelizmente não consigo dizer nada edificante sobre o ano que passou nem dar a mim mesmo uma mensagem de gratidão à vida e à Deus e tudo mais. Estou de saco cheio de gente. Eu não aguento mais eventos sociais. Eu não aguento mais encontros com jovens adultos em que o primeiro e quase único assunto são drogas: cocaína, cogumelo, MD. Não aguento mais ficar quieto e depois, quando eu abro a boca ter que me desculpar mil vezes ou amenizar alguma opinião que não foi bem recebida. Deus sabe o quanto eu tento não ser chato, mas eu não consigo ser uma pessoa normal, não consigo achar graça nas coisas que as pessoas acham graça. E o pior é que nem os velhos se saem tão melhor assim. O assunto de quem tem mais de quarenta anos são fofoca de família, críticas à familiares e amigos, e depois, consumo: comprar vestido, comprar panela, comprar sei lá mais o quê. Às vezes o assunto também é política, como Lula foi injustiçado, e o Bolsonaro é uma figura abjeta. Cargos eletivos, quem está sendo safado, quem tá fudendo com quem. Vivo de um jeito clandestino, não falo nada pra ninguém, nem pra minha namorada.
Saldo do ano: não consegui terminar meu livro, nem terminei de ler “Os Maias”. Ainda ganho menos de dois salários mínimos. Mas tenho saúde, e ainda, muita esperança de vida. Que venha 2022!